A Bola de Couro
O menino, quando adulto, mesmo não sendo cristão, procurou sempre dar no natal os melhores presentes aos filhos, buscando compartilhar a alegria um dia sentida.
O menino tinha dois sonhos: ter um cachorro pastor alemão e uma bola de couro.
A primeira bola que ganhou era de plástico e enorme. Mas, no primeiro chute que o menino deu, a bola acertou o arame farpado, de forma que o presente ficou tão murcho quanto o coração do menino.
O primeiro cachorro foi um vira-lata que atendia pelo nome de Perigoso, e foi o seu grande companheiro na infância.
Finalmente, o tão sonhado presente chegou numa noite de natal, como presente de sua mãe, que já sofria os seus primeiros sintomas de esquizofrenia.
Não era uma bola oficial, mas era tão linda aos olhos do garoto que nunca tinha ganhado algo tão valioso de presente. Seu coração corria mais veloz que a pelota que chutava para o irmão que a rebatia, em uma rua em que raramente passava carro.
A mãe gritou por várias vezes para os filhos entrarem em casa, e vendo que esses não obedeciam, pegou uma faca e picou a bola.
Mas não foi apenas a bola que ficou em pedaços. A primeira bola que furou no arame ficou pequena, mas dava para brincar. Do couro restou perplexidade e desilusão.
O menino nunca condenou a mãe que amava mais que tudo na vida, mas só na idade avançada compreendeu que foi um ato de loucura de uma alma torturada pela miséria do Vale do Mucuri. O mundo é um hospício em formato de uma bola que não se pode rasgar nem chutar, e os traumas de infância são marcadores difíceis de driblar.
O menino, quando adulto, mesmo não sendo cristão, procurou sempre dar no natal os melhores presentes aos filhos, buscando compartilhar a alegria um dia sentida com a amada bola rasgada.
Hoje, o que sobrou daquele menino, passeia com um pastor alemão pensando em quanta ternura aquela faca amolada cortou para sempre no coração do homem rude.