Hoje Mel Não Vai Passear
Mel não queria morrer, e sua resiliência foi o que salvou sua vida.
Mel não tinha mais idade para queimar navios. Já era uma senhora a se aproximar dos oitenta anos. Mas, quando esqueceram o portão aberto, um bonitão entrou por ali. Ela não resistiu, e acabou o seguindo.
Inocência de quem nunca viveu grandes aventuras, e passou a vida em companhia de três mulheres que a amavam como se deve amar alguém de verdade.
Quando o jovem desapareceu de repente, Mel se viu sozinha, e entrou em pânico: o olfato e os olhos não mais podiam guiá-la de volta para casa.
Para pedir socorro, soltou a voz o mais alto que pôde, mas o som era tão baixo que ninguém podia ouvir o seu apelo.
Quando desistiu de encontrar seu lar, entrou em um buraco de um terreno vago, e ali passou três dias e duas noites.
À noite, ela ouvia os pios da coruja-rasga-mortalha - a coruja da morte. Durante o dia, avistava urubus rondando seu esconderijo, e isso só fazia aumentar o seu desespero.
Sem água, comida, cama aquecida e carinho, desidratou-se, pegou bicheira e uma infestação de carrapatos. Todavia, Mel não queria morrer, e sua resiliência foi o que salvou sua vida.
Depois da peripécia, Mel, acostumada a ter um enorme quintal no interior, voltou para a capital para viver em um apartamento.
A dificuldade de andar era imensa, ela escorregava no piso de madeira encerada, e passava o dia dormindo à espera do passeio do dia, que, no passado, era a sua maior alegria.
O último suspiro de Mel foi no colo da mãe de criação. O carinho dos dedos parecia tocar teclas de uma canção de despedida, e a voz preferida de Mel acompanhava as notas em cantigas de ninar.
"Eu fiz da rua escura pedaço de lua para te iluminar".
Acompanhando a velhice e o sofrimento de Mel, este cronista recordou as tantas lágrimas derramadas pela perda de seus companheiros Perigoso, Kojak, Pivete, General, Guerrilheiro e Angola.
Foi muito comovente a dor, a tristeza e os lamentos da protetora da Mel.
Há quem diga que animal não é gente. Sim, bicho só faz o bem. Os animais não cometem suicídio ou pressentem a morte. Apenas desfrutam da vida e aceitam o seu fim: uma sabedoria que às vezes nos falta, nos impedindo de viver uma boa morte.