Lixo à Milanesa
Cada colherada que o miserável levava à boca era uma bofetada na cara de um comunista.
Ele estava bem próximo, mas nem reparou minha presença. Só tinha olhos para a lixeira do restaurante onde cata o seu pão de cada dia.
Remexendo o lixo, encontrou uma marmita amassada com um resto de comida, e uma garrafa de água com um terço do volume. Com a garrafa debaixo do braço, iniciou sua refeição com uma colher descartável que também estava por ali.
Quando acabou de comer, olhou para o céu como quem agradece a Deus pela fome saciada.
Cada colherada que o miserável levava à boca era uma bofetada na cara de um comunista que costuma comer nas mesas de restaurante de uma praça onde reina a miséria humana: a Praça da Savassi.
Confesso que quase morri de vergonha por estar de bucho cheio, e, com o estômago embrulhando, pensei em lhe pagar um almoço, mas pensei: sem o desprendimento do judeu de Nazaré, que multiplicava pães e peixes, a filantropia é uma mentira.
A fome volta amanhã. A fome está viva no estômago e na alma dos deserdados sem dar trégua.
Carrego minha parcela de culpa pela fome do velho mendigo. Em uma sociedade em que deveria lutar por mudanças todos os dias, não passo de um cúmplice que só falta dizer: "bom apetite, meu velho mendigo".
Nem todo idealista tem a perseverança de um Leonel Brizola. Muitos se perdem pelo caminho e se entregam aos canalhas da política nacional, diretamente ou com um voto útil.
O que restou de um homem de bem nesse velho cronista finalmente entendeu que o Verde esperança do Brasil de ontem hoje se vê no verde alface das lixeiras.
O Brasil perdeu a fome de vergonha, ética, solidariedade e amor. Empanturrou-se de ódio e intolerância. E, o pior: hoje já nem sente mais vontade de vomitar.
"Joga fora no lixo, joga fora no lixo".
P.S.: esse texto é uma homenagem a dois grandes jornalistas brizolistas que nunca desistiram da luta contra a miséria e injustiças: Arnaldo Viana e Chico Maia.