Raul por Um Dia
Soltei um grito pela janela: “hoje, eu não terei opinião formada sobre nada. Hoje vou chutar a velha opinião sobre tudo, e fazer tudo ao contrário do que fiz antes”.
Acordei de bode e revoltado com o mundo. Abri a gaveta do armário, peguei um Ray-Ban arranhado, vesti a calça Jeans mais velha, calcei a bota de salto carrapeta (James Dean) desbotada e uma boina (tipo guerrilheiro) para combinar com a camiseta hippie paz e amor, e soltei um grito pela janela: “hoje, eu não terei opinião formada sobre nada. Hoje vou chutar a velha opinião sobre tudo, e fazer tudo ao contrário do que fiz antes”.
Serei uma Metamorfose Ambulante: sem celular, viola na mão, uns trocados no bolso para encher a cara de cubas libres, e livrar-me deste sujeito chato que ultimamente não acha nada engraçado. Hoje, eu sou um Maluco Beleza.
No primeiro barzinho, um idiota falou em voz alta: “deve ser maconheiro e a favor do aborto”. Sentei-me à mesa ao lado e, na voz desafinada, soltei o pot-pourri: "Eu nasci, há dez mil anos atrás, com essa cara de veado que viu caxinguelê e o moço do disco voador..."
No segundo bar na Savassi, rolava a brega Boate Azul, que os heróis da turma do bar interior censuraram por 20 anos. Na ditadura, nem a cafonice escapava do: “cale-se!”
Gritei para os músicos: “tocam as minhas músicas, pô”. E uma turma fez coro: “toca Raul, toca Raul”. E a banda mandou: "Pedro, onde cê vai eu também vou, mas, tudo acaba onde começou".
Pensando nos jovens que gostam dos Beatles e de Rolling Stones na Ucrânia e na Rússia, e nas crianças que morrem de tiro e de fome em Gaza, tentei tirar no violão "tente outra vez".
Por volta da meia-noite, bêbado, o tolo voltou para casa dos seus sonhos impossíveis... filosofando com os fantasmas e apoiando-se nos muros altos que separam os quintais, dos sobreviventes de Canudos, da Casa Grande, e das Senzalas.
Amanhã, volto a ser o que sempre fui: “ridículo, idiota, humano, e que não usa nem 10% de sua cabeça - animal”. E volto a contribuir com “este belo quadro social”.